Brics+ Fashion Summit mostra a potência de novos designers em Moscou
Portal O Globo destaca evento que reuniu delegações de 60 países e estilistas de nações fora do eixo hegemônico. A BRIFW foi convidada pela organização do evento como representantes da delegação brasileira e participou de uma série de programas, palestras e encontros sobre o futuro da moda global. Texto por Eduardo Vanini.
Coberta pelas luzes do Natal — e pela neve — Moscou fingia naturalidade em meio à guerra com a Ucrânia, que já dura cerca de dois anos. Mas os sinais estavam lá. Lojas como Chanel, Dior e Hermés seguiam fechadas pelo embargo à Rússia, e o Instagram continuava bloqueado pelo. Ainda assim, a capital cuja economia não dá sinais de colapso, mostrou-se preparada para receber delegações de 60 países na primeira edição do Brics+ Fashion Summit. O evento promoveu, entre 28 de novembro e 2 de dezembro, desfiles e debates voltados aos países que compõem o bloco de economias emergentes, como Brasil, China, Índia e o próprio anfitrião.
Nas passarelas, coube à marca Sadaels, do argentino Juan Hernandez Daels, abrir os trabalhos, com a releitura de códigos tradicionais de seu país. “A inspiração veio da cultura gaúcha, mas mergulhamos nesse universo para subverter os clichês, deixando tudo mais divertido”, disse, sobre as peças cheias sensualidade, com recortes em pontos estratégicos do corpo e ferraduras nos detalhes.
A apresentação do argentino engatou a marcha para uma volta ao mundo pelo olhar de designers de 12 países. Um passeio que levou o público a encontros com jovens marcas, como a chinesa Chnnyu, com suas jaquetas oversized e confortáveis, e a etíope Kunjina, que usou o jeans para construir silhuetas inspiradas em formas arquitetônicas.
Já a AL•DRI•E, da Indonésia, apresentou um visual gótico apocalíptico, combinado com penteados esculturais. “Não gosto de demonstrar raiva às pessoas. Por isso, sempre expresso esse sentimento pelas minhas criações, e esse tom sombrio se repete em muitas coleções”, descreveu o estilista, Aldrie Indrayana.
Na hora de encerrar a temporada, coube a outro latino a missão: o carioca Lucas Leão fez o último desfile do evento com um compilado de criações. “Teve cerâmica, um vestido cujo tecido desfiamos inteiro para refazê-lo e um pouco da alfaiataria brasileira do verão”, elencou.
Neto de alfaiates, Lucas testemunhou, desde criança, os avós criando roupas com acabamento esmerado, o que está na raiz de seu trabalho. Em suas coleções, leva o legado familiar a um salto no tempo e no espaço ao criar os moldes em 3D e, só depois, partir para a produção das peças. “Acredito na coexistência entre o tecnológico e o fazer manual”, diz o designer, que está no line-up da São Paulo Fashion Week e tem loja na Fábrica Bhering, no Rio.
A potência dos novos criadores apareceu também no showroom do evento. É o caso da marca Born in Exile, do designer alemão Ibrahim Shebani, cujo símbolo é um arame farpado formado por oito linhas em alusão às cidades onde morou. “A história da minha família, muitas vezes, me faz pensar onde é a nossa casa e o que é uma pátria”, disse o estilista, que desenha peças voltadas ao mercado de luxo, cobertas de referências à sua ascendência e mensagens políticas. Os pais dele foram forçados a deixar a Líbia, na década de 1970, ao serem perseguidos pelo regime de Muammar Gaddafi.
Promovido pela Fundação Cultural de Moda e Design com o apoio do governo do país, o evento também ofereceu festas e um jantar de gala aos convidados. Esforços que, aos olhos do pesquisador Leonardo Paz, do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas, reflete uma estratégia de imagem. “Desde o início da guerra, a Rússia está isolada em relação ao Ocidente, e isso tem feito com que o país empreenda esforços em se mostrar conectado a outras nações do mundo”, analisa, sobre o evento realizado na mesma semana em que Vladimir Putin anunciou um aumento de 170 mil pessoas no contingente do Exército.
Tratada oficialmente como “operação militar especial” pelo país, a guerra não apareceu na ordem do dia dos debates. Mas houve espaço para conversas sobre sustentabilidade, tecnologia, apropriação cultural e até gênero (a Suprema Corte da Rússia proibiu o “movimento” LGBTQIAP+ por considerá-lo extremista, no mês passado) nas falas acompanhadas por jovens plateias. Afinal, como bem lembrou a fundadora da Semana de Moda Afro de Milão, Michelle Ngonmo, numa das mesas, “a interseção entre a agenda social e a produção se tornou tão importante quanto a criatividade e a cor para as marcas contemporâneas”.
Resta esperar que os recados sejam ouvidos.